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      Entrevista de Rui Miguel Tovar a Silvino - parte I

      «O autocarro do Benfica parou em Coimbra para o pipi e o Fernando Martins disse-me ‘hoje gostei, pode voltar a jogar de verde’»

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      Tinóni tinóni tinóni. O som insistente das sirenes matraquilha os ouvidos de qualquer um, à saída do aeroporto Gatwick. À entrada do táxi, o volume do rádio permite-me ouvir a notícia mais dilacerante do ano: atentado no metro de Londres, dezenas de mortos, centenas de feridos. O mundo em pantanas.

      Passam-se seis dias, o Chelsea sai da sua toca e mostra-se finalmente à comunicação social num jogo em Wycombe, o primeiro particular da pré-época 2005. À falta de segurança (ironia), consigo ir a pé da bancada central até ao relvado. Bato com força na parte de trás do banco de suplentes e ouço um ‘don’t speak english’ de Silvino. A minha resposta sai automática. ‘Eu também não’. É um regabofe. Silvino está sentado ao lado de Rui Faria, levanta-se e cumprimenta-me com um passou-bem à maneira.

      Antes desse 13 Julho 2005, nunca, nunca mesmo, falara com Silvino. Depois desse 13 Julho 2005, só volto a falar a 26 Outubro 2023, por whatsapp. Desafio-lhe para uma entrevista de carreira em Madrid, onde mora há anos e anos. No dia seguinte, falamos de viva voz para combinar uma data oportuna. O seu conhecimento é espantoso. ‘O seu pai era de 1948, tinha agora 75 anos, não é?’ (...) ‘era touro, 3 Maio, não era?’ (...) ‘cruzámo-nos tantas, tantas vezes, na final de Viena em 1990, por exemplo’ Tudo bate certo, incrível.

      A entrevista faz-se no Hotel Eurobuilding, ali perto do Santiago Bernabéu, no dia 7 Novembro, véspera de um Real Madrid vs. Braga. Estou a ver o excel dos penáltis na 1.ª divisão, Silvino defende quatro penáltis do Benfica, todos na Luz, e defende mais quatro como guarda-redes do Benfica, um nas Antas (João Pinto). Nesse momento, Silvino chega ao pé de mim e dá-me um passou-bem à maneira. Mostro-lhe a informação dos penáltis defendidos na Luz e a resposta é lapidar. ‘Quem me dera ter defendido em Estugarda, isso sim.’ PSV, sempre presente. Subimos um piso para nos sentarmos sem barulho à volta, longe da movida. Música, maestro (diria o nosso Pedro Jorge Cunha).

      [Esta é a primeira parte da entrevista a Silvino Louro. A segunda parte sai esta tarde, às 15 horas]

      Na final da Taça dos Campeões Europeus de 1988 @Getty /

       

      Começo pelo fim da carreira, o Silvino ainda é internacional AA pelo Salgueiros e até joga em Berlim com a Alemanha.

      É o célebre jogo do Batta. Ainda hoje tenho a certeza de que ele não sabia que o Rui Costa já tinha amarelo.

      Nãããã.

      A sério, foi o quarto árbitro quem lhe chamou a atenção. E aí já não havia volta a dar, mostrou-lhe o segundo amarelo e o respectivo vermelho. Que noite, aquele golo do Pedro [Barbosa].

      E depois o da Alemanha.

      A jogada está bem presente aqui [aponta para a cabeça], o remate foi do Kirsten, que tinha entrado pouco tempo antes. O guarda-redes dessa Alemanha era o Köpke, jogava em França [Marselha].

      Antes dessa época 1997-98 no Salgueiros, o Silvino ainda foi bicampeão português pelo FC Porto.

      O Pinto da Costa liga-me a convidar para jogar no FC Porto quando tinha mais um ano de contrato no Vitória FC, que tinha descido à 2.ª divisão nessa época com o Quinito, o Quinas. O Vitória foi a eleições, ganhou o Justo Tomás. Eu estava bem, vivia a 100 metros do Estádio do Bonfim e não queria sair dali. Só que o Pinto da Costa pediu para falar comigo e a conversa durou 30 segundos. De já nada esperar da carreira a ganhar dois campeonatos foi um passo.

      Ainda se lembra bem?

      Então não? Assumo o lugar do Vítor Baía depois daquele jogo em Campo Maior e lesiono-me na Luz, num lance com o Mauro Airez. Deu-me uma ‘hostia’ e fiz uma luxação, tive de ser operado e tudo.

      Entrou o Vítor Nóvoa?

      Isso mesmo. O FC Porto contrata então o Eriksson. Só o que o Erikson, madre mía. A minha lesão era para dois meses de paragem e, 22 dias depois, o [Bobby] Robson pediu ao Zé [Mourinho] para treinar-me.

      Porquê?

      O Robson estava cego com o Eriksson, depois do 3:0 do Sporting de Octávio em Paris.

      E?

      O Zé treinou-me e deu o okay ao Robson. Joguei a seguir à supertaça.

      Onde?

      Fomos à Amadora.

      E daí para a frente?

      No Verão de 1996, sai o Vítor Baía e chega o Wozniak. Só que ele teve um problema entre a selecção polaca e o FC Porto. Curiosamente, o nosso treinador de guarda-redes era também polaco, o grande Mlynarczyk. É quando o António Oliveira estreia o Hilário com o Sporting, no José Alvalade. Acontece que o Hilário não esteve bem naquela eliminatória da Liga dos Campeões com o Manchester United e volto a ser titular e até defendo um penálti do Hajry, em Faro. O Hajry pensava que já me tinha esquecido dos nossos tempos de Benfica, porque ele chegou lá, meteu o pé esquerdo à bola e eu roubei-lhe o protagonismo. Sabe, o Hajry era diferente da maioria dos esquerdinos.

      Então?

      Os esquerdinos batem o penálti para a sua esquerda, o Hajry batia sete ou oito para a direita. Eu já sabia e adivinhei. Ele toma, eu toma. Ele meteu as mãos à cabeça e disse ‘ainda te recordas?’ Disse-lhe que tinha boa memória. Fui titular até ao fim, o FC Porto é tricampeão e acabo o contrato. Digo adeus à carreira até ao telefonema do Carlos Manuel. Basta-me meia hora e assino por dois anos. Só queria um, eles é que queriam dois.

      E voltou à selecção?

      Artur Jorge a seleccionador, Rui Águas, Raúl Águas e Rui Caçador como adjuntos. Na véspera desse jogo em Berlim, eu e o Rui Correia treinámos e, à noite, o Rui Águas vai ao meu quarto para dizer-me ‘Sílvio, vais jogar’.

      E sentiu pressão?

      Pressão? Sabes qual foi o jogo em que tive mais intranquilo? Em 1978, aos 18 anos, no Olímpico de Roma, naquele que foi o meu primeiro grande jogo a sério, e até foi um particular de Verão. Entrei todo borrado. Se levasse fraldas, ai ai ai.

      Quanto ficou?

      1:0 para a Roma, golo de livre directo [DI Bartolomei] em que a bola ainda bateu no Vítor Madeira. O nosso treinador era o Carlos Cardoso, fui eu à baliza e o suplente era o Avelino, ex-Portimonense. O Vitória FC tinha passado por uma revolução na baliza, o Jorge Martins saiu para o Barreirense e o Vaz para o Académico de Viseu.

      Na época seguinte, em 1979-80, defende o primeiro penálti na Luz.

      Humberto Coelho. Eu tinha uma coisa boa, gostava de ver os resumos do Domingo Desportivo. O teu pai ainda me convidou para ir a estúdio umas duas ou três vezes. E foi aí, nesses resumos, que aprendi os truques de muitos batedores de penáltis. Por isso, defendi um do Radi, em Chaves, e outro do Amancio, do Penafiel.

      E dois do Nené no mesmo jogo.

      E dois do Nené, pois foi. Perdemos 1:0, o golo foi do Carlos Manuel em recarga a um penálti defendido por mim. O Nené gostava muito da paradinha e eu, então, ficava parado na linha à espera dele. Só levantava o pé em cima da linha na hora do remate. À conta disso...

      Selecção AA?

      A ideia até nem era essa. Fui convocado para os sub21, íamos jogar com Marrocos em Leiria. Só que o José Manuel Delgado lesionou o Bento sem querer com uma bolada na cara e o Otto Glória chamou-me para a baliza dos AA, com a Hungria, em Coimbra. Empatámos 0:0. Na outra baliza, o Katzirz, do Sporting. Antes do jogo, o Humberto Coelho só me diz isto ‘Silvino, tranquilo, fala e está só atento às bolas na profundidade e chama a atenção às nossas costas’. O meu segundo jogo é com o Brasil, equipa maravilha. Éder na esquerda, Sócrates no meio, Careca lá à frente. Troquei de camisola com o Leão, lembro-me bem. E perdemos 4:0, também me lembro bem, ahahahah.

      Já o Silvino é do outro Vitória, certo?

      Exacto, o meu contrato com o Vitória FC acaba e o Vitória SC vai buscar-me, depois de um jantar de fondue com o Pimenta Machado. Chego a Guimarães com Manuel José a treinador. Na apresentação do FC Porto, nas Antas, vamos lá e empatamos 0:0. Faço um grande jogo com Walsh a obrigar-me a defesas difíceis e, quatro dias depois, sou o titular na jornada de abertura da 1.ª divisão, em Braga. Ganhámos 1:0 no 1.º de Maio e, a partir daí, foram dois anos à baliza e Jesus no banco. Um belo dia, apanhamos 8:0 na Luz e o senhor Júlio Borges veio falar comigo com uma proposta do Benfica.

      Benfica em 1984-85?

      Os guarda-redes são Bento, Delgado, eu e o Neno. O Neno foi emprestado ao Vitória SC, ficámos só três e é uma época com Ivic durante 15 dias e Csernai até ao fim. Do Csernai nem vale a pena falar, era uma pessoa muito confusa, nem sabia dizer o nome do Eusébio.

      Hein?

      O Csernai tentava ensinar o Eusébio a rematar à baliza e o Eusébio ficava cego. E depois dizia coisas na cara dele de ir às lágrimas, estilo ‘conhecem melhor o meu nome na tua terra do que o teu’. A gente ria-se que nem uns perdidos, mas o homem era mesmo mau. Na época seguinte [1985-86], pedi para ser emprestado ao Aves, porque o Bento não dava hipótese. E como o professor Neca me convidou, falei com o presidente Fernando Martins e ele concordou em libertar-me por uma época depois de uma conversa com o treinador John Mortimore. Fiz uma época porreira no Aves e até defendi um penálti do Manniche.

      Ficou quanto esse jogo?

      Empatámos 4:0, ahahahah.

      E o Aves?

      Desceu na liguilha, com Águeda, União da Madeira e Varzim. Durante esse torneio, recebo a notícia de que sou uma das duas hipóteses de substituir Bento no Mundial do México, caso Portugal passe a fase de grupos.

      Quem é o outro?

      Vital, do Portimonense.

      Portugal não vai ao Mundial.

      Escapo a Saltillo e volto ao Benfica, com Bento lesionado.

      E?

      Vamos jogar na pré-época a Southampton, casa do Mortimore, e o Neno sofre quatro golos. Perdemos 4:1, eu só entro nos últimos 15 minutos e sou titular na abertura do campeonato, com o FC Porto, em Braga. Empatámos 2:2. Mais à frente, outro empate, agora com o Salgueiros. O Walsh marca o golo da jornada e saio do onze para entrar o Neno. Dá-se então o 4:2 do FC Porto na Luz para a Supertaça e volto à baliza até ao fim da época, com a final da Taça de Portugal, ganha ao Sporting. Troco de camisola com o Vítor Damas. Que amigo, era uma pessoa doce. Fiquei muito dorido nos dias seguintes à sua morte.

      Essa época não é a do 7:1?

      Nem mais, só perdemos esse jogo e somos campeões. Esse dérbi tem uma história, o Manuel Fernandes era para ser substituído ao 3:1, mas alguém do Sporting se lesiona e deixa o Manel em campo. Foi o que se viu, marcou-me quatro.

      O Silvino estava de azul.

      Pois foi.

      Mas a sua imagem de marca é verde.

      Gostava de jogar de verde por duas razões. Primeira, sou de Setúbal. Segunda, a camisola verde, o calção verde e as meias verdes confundem-se com a relva e confundem os avançados que baixam a cabeça e não vêem mais nada à frente. Atenção, o Bento chegou a jogar de verde. E de azul. Até de amarelo. Só que o Fernando Martins não gostava do verde. Nem os adeptos. Não gostavam, ponto.

      E como é que se deu a mudança de azul para o verde?

      Na semana em que perdemos 7:1 com o Sporting, fomos jogar às Antas a título particular, estreia do Casagrande. E voltei ao verde, fiz uma grande exibição. No caminho para casa, o autocarro parou em Coimbra para o pipi e o Fernando Martins disse-me ‘hoje gostei, pode voltar a jogar de verde’. Daí para a frente, se o guarda-redes adversário aparecesse de verde na Luz, mudava para amarelo. Mas a minha pancada era o preto, sempre quis imitar o Iribar e o Yashin, meus ídolos de infância.

      Iribar, grande portero.

      Lembro-me de o ver na televisão ainda a preto e branco. E também me lembro das finais da Taça de Inglaterra, vi-as no café perto de casa, em Setúbal.

      Portugal
      Silvino
      NomeSilvino de Almeida Louro
      Nascimento/Idade1959-03-05(65 anos)
      Nacionalidade
      Portugal
      Portugal
      PosiçãoGuarda Redes

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